sábado, 30 de abril de 2011

A Menina e o Trem


Escurecia...
A menina pulava corda com os amigos, quando foi chamada pela mãe. Despediu-se da meninada e correu para o portão de casa. Seus pais moravam em uma vila ferroviária, bem próxima à antiga estação, onde ainda funcionava um pequeno museu mantido pelo seu avô, ex-telegrafista da ferrovia.
                Era hora de jantar. A menina estava inquieta. A partir daquele horário, ela ficava atenta aos ruídos da noite. Esperava.
                Depois da refeição, sentou-se no chão da sala com um livro antigo, de capa carcomida. Começou a folhear. Surgiam figuras em preto e branco de locomotivas a vapor, carros, pontes, rotundas, pilhas de carvão, trabalhadores nas oficinas...
                Os olhos da garotinha brilhavam, e sua imaginação se perdia naquelas páginas amareladas. Lembrou-se das histórias contadas pelo seu avô sobre o trabalho árduo, da construção das estradas de ferro, das imponentes máquinas... Ficava horas e horas na estação, ouvindo-o contar. Havia ganho dele também um pequeno ferrorama, que a distraía por longos períodos em sua própria ferrovia imaginária, transportando seus brinquedos pelo chão do quintal.
                De repente, a menina largou o velho livro e saiu correndo. Havia escutado o som que estava esperando. Uma buzina estridente soou ao longe como um grito rouco.
                Na janela do seu quarto, a garotinha estava atenta. O familiar ruído compassado do motor foi aumentando de intensidade. Logo, surgiu um forte clarão no meio das árvores. Ele estava chegando. O coração da menina teimava em bater mais rápido.
                A buzina agoniada cortou novamente o silêncio da noite. O trem cargueiro adentrava na estação e exibia seus contornos à luz da plataforma. A garotinha ficava maravilhada com aquela imensidão de ferro que agora movia-se lentamente, se exibindo pra ela.
                A composição parou. As duas locomotivas que tracionavam o longo trem resfolegavam e bufavam como grandes corcéis de aço e olhos luzentes, prontos pra prosseguir a jornada.
                Da janela da primeira locomotiva, o maquinista acenou para ela, que retribuiu o aceno e mostrou a pequena locomotiva do seu ferrorama, cheia de orgulho. O maquinista sorriu e se despediu da menina com um aceno de tchau. Em seguida, em meio a estalos e rangidos, a composição voltou a se mover, e logo desapareceu na escuridão. A menina permaneceu na janela, afagando a sua locomotiva e escutando o distante barulho do motor somado ao rangido protestante das rodas dos vagões. Só saiu dali após a última buzina do trem, na periferia da cidade.
                Foi para a cama. Seu coração já estava mais calmo. Abraçada ao seu velho livro, foi adormecendo devagar, lembrando do trem que passara e pensando como gostaria de estar em um deles, um dia.


Daiane Kowaleski Miranda

Um comentário:

  1. PARABÉNS Daiane! Considero esta como uma das mais belas histórias que já escreveu, digna de constar um dia em uma publicação específica, como as outras também. Muito legal! Van

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