Escurecia...
A menina pulava corda com os amigos, quando foi chamada pela mãe. Despediu-se da meninada e correu para o portão de casa. Seus pais moravam em uma vila ferroviária, bem próxima à antiga estação, onde ainda funcionava um pequeno museu mantido pelo seu avô, ex-telegrafista da ferrovia.
Era hora de jantar. A menina estava inquieta. A partir daquele horário, ela ficava atenta aos ruídos da noite. Esperava.
Depois da refeição, sentou-se no chão da sala com um livro antigo, de capa carcomida. Começou a folhear. Surgiam figuras em preto e branco de locomotivas a vapor, carros, pontes, rotundas, pilhas de carvão, trabalhadores nas oficinas...
Os olhos da garotinha brilhavam, e sua imaginação se perdia naquelas páginas amareladas. Lembrou-se das histórias contadas pelo seu avô sobre o trabalho árduo, da construção das estradas de ferro, das imponentes máquinas... Ficava horas e horas na estação, ouvindo-o contar. Havia ganho dele também um pequeno ferrorama, que a distraía por longos períodos em sua própria ferrovia imaginária, transportando seus brinquedos pelo chão do quintal.
De repente, a menina largou o velho livro e saiu correndo. Havia escutado o som que estava esperando. Uma buzina estridente soou ao longe como um grito rouco.
Na janela do seu quarto, a garotinha estava atenta. O familiar ruído compassado do motor foi aumentando de intensidade. Logo, surgiu um forte clarão no meio das árvores. Ele estava chegando. O coração da menina teimava em bater mais rápido.
A buzina agoniada cortou novamente o silêncio da noite. O trem cargueiro adentrava na estação e exibia seus contornos à luz da plataforma. A garotinha ficava maravilhada com aquela imensidão de ferro que agora movia-se lentamente, se exibindo pra ela.
A composição parou. As duas locomotivas que tracionavam o longo trem resfolegavam e bufavam como grandes corcéis de aço e olhos luzentes, prontos pra prosseguir a jornada.
Da janela da primeira locomotiva, o maquinista acenou para ela, que retribuiu o aceno e mostrou a pequena locomotiva do seu ferrorama, cheia de orgulho. O maquinista sorriu e se despediu da menina com um aceno de tchau. Em seguida, em meio a estalos e rangidos, a composição voltou a se mover, e logo desapareceu na escuridão. A menina permaneceu na janela, afagando a sua locomotiva e escutando o distante barulho do motor somado ao rangido protestante das rodas dos vagões. Só saiu dali após a última buzina do trem, na periferia da cidade.
Foi para a cama. Seu coração já estava mais calmo. Abraçada ao seu velho livro, foi adormecendo devagar, lembrando do trem que passara e pensando como gostaria de estar em um deles, um dia.
Daiane Kowaleski Miranda
PARABÉNS Daiane! Considero esta como uma das mais belas histórias que já escreveu, digna de constar um dia em uma publicação específica, como as outras também. Muito legal! Van
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