Ela
estava lá, inerte. Estava coberta por uma camada de poeira. Sua cor rubro-verde
estava desbotada pelo tempo e pelas intempéries. Seus metais enferrujados e
cansados estalavam ao calor. Esquecida, seu tênder lhe fazia companhia.
Perdera
o vigor.
Perdera
o brilho.
Perdera
a força.
Suas
braçagens e puxavantes estavam encravados. As rodas estavam desgastadas. Sua
fornalha, fria e suja, não sentia o calor do fogo há muitos anos. Seus
cilindros, não mais sabiam o que era vapor. Sua chaminé, não mais largava rolos
pesados de fumaça e vapor ao céu.
Sua placa vermelha emoldurada em
dourado ostentava ainda sua identidade. O sino de bronze pendia ao sabor do
vento, lançando um tilintar suave, como uma canção triste de uma solitária
senhora de ferro.
Ela
continuava lá...
Gostaria
tanto de puxar aqueles carros que estavam ao seu lado, de fazer composições com
aquelas locomotivas, suas irmãs, que compartiam do seu existir. Manobras,
trecho, passeios, viagens...
Estava
em seus devaneios e lembranças de um tempo áureo, quando um toque suave lhe
chamou a atenção. Uma mão acarinhava-lhe o metal...
Um
par de olhos fitavam-na com uma ternura tão grande. Nunca os vira mas, ao que
indicava, eles já a conheciam.
Um
suspiro...
O
olhar percorria sua caldeira e cabine, para se perder no tênder. A mão, agora
segurava firme o tirante da caixa de fumaça.
Sentiu
que subia em seu limpa-trilho, para se aconchegar na varanda à frente da placa.
Aqueles olhos, agora estavam deitados, fitando-a com carinho. A mão tocou-lhe a
placa. Limpou o pó. Os olhos se fecharam lentamente, para logo adormecer.
Uma
pequena chama de alegria acendeu-se no interior da cansada vaporosa. Olhava
para aquela pequena criatura deitada em seu colo. Sem se importar com sua
sujeira e ferrugem ela estava lá. Um esboço de sorriso enfeitava o canto de
seus lábios. Dormia tranquilamente, feliz nos braços da velha máquina.
A
locomotiva observava. O ser em seu aconchego balbuciou as palavras “eu ainda
vou ver você funcionando, vou fazer tudo para tal”.
A
vaporosa silenciosamente, sorriu...
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