segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Esperança


Ela estava lá, inerte. Estava coberta por uma camada de poeira. Sua cor rubro-verde estava desbotada pelo tempo e pelas intempéries. Seus metais enferrujados e cansados estalavam ao calor. Esquecida, seu tênder lhe fazia companhia. 
Perdera o vigor.
Perdera o brilho.
Perdera a força.
Suas braçagens e puxavantes estavam encravados. As rodas estavam desgastadas. Sua fornalha, fria e suja, não sentia o calor do fogo há muitos anos. Seus cilindros, não mais sabiam o que era vapor. Sua chaminé, não mais largava rolos pesados de fumaça e vapor ao céu.
            Sua placa vermelha emoldurada em dourado ostentava ainda sua identidade. O sino de bronze pendia ao sabor do vento, lançando um tilintar suave, como uma canção triste de uma solitária senhora de ferro.
Ela continuava lá...
Gostaria tanto de puxar aqueles carros que estavam ao seu lado, de fazer composições com aquelas locomotivas, suas irmãs, que compartiam do seu existir. Manobras, trecho, passeios, viagens...
Estava em seus devaneios e lembranças de um tempo áureo, quando um toque suave lhe chamou a atenção. Uma mão acarinhava-lhe o metal...
Um par de olhos fitavam-na com uma ternura tão grande. Nunca os vira mas, ao que indicava, eles já a conheciam.
Um suspiro...
O olhar percorria sua caldeira e cabine, para se perder no tênder. A mão, agora segurava firme o tirante da caixa de fumaça.
Sentiu que subia em seu limpa-trilho, para se aconchegar na varanda à frente da placa. Aqueles olhos, agora estavam deitados, fitando-a com carinho. A mão tocou-lhe a placa. Limpou o pó. Os olhos se fecharam lentamente, para logo adormecer.
Uma pequena chama de alegria acendeu-se no interior da cansada vaporosa. Olhava para aquela pequena criatura deitada em seu colo. Sem se importar com sua sujeira e ferrugem ela estava lá. Um esboço de sorriso enfeitava o canto de seus lábios. Dormia tranquilamente, feliz nos braços da velha máquina.
A locomotiva observava. O ser em seu aconchego balbuciou as palavras “eu ainda vou ver você funcionando, vou fazer tudo para tal”.
A vaporosa silenciosamente, sorriu...

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